Lançamento do Livro (Alvorecer)

A natureza cria o homem para competir entre as feras. E, para sua sobrevivência, dota esta criatura de poderosa visão, olfato seletivo e audição hipersensível, agregando às suas habilidades uma força física compatível. Gerado com inteligência e intuição, torna-se um caçador perfeito. Pois é neste ambiente que surge o guerreiro kuyumatá, o mais letal entre todos os predadores. Mas à medida que o grande guerreiro socializa-se, pelo desuso, atrofia suas armas naturais. No entanto, sua genética ainda sobrevive, pois o jovem Shimit tem adormecida em seu corpo a chama deste ser, e sabe como acendê-la.







O jovem Shimit, filho de um general do Exército e de uma índia kayapó, vai estudar biologia na El Paso Independent University Courses, Texas, Estados Unidos. Encontra lá, muito preconceito e discriminação.
É injustamente acusado de tráfico de entorpecentes e condenado a treze anos de reclusão.
Sabendo que herdou de seus mais longínquos ancestrais as habilidades da maldição dos Kuyumatás, agora, para sua sobrevivência, precisa resgatá-las.
Um corpo sem ferimentos de combates não recebe um Kuyumatá, por isso, dentro do presídio, ele se entrega a todo tipo de desafio para merecer as armas do guerreiro perdido.
E, então, no alvorecer de sua nova existência, em momentos de extremo estresse ou perigo iminente ele sempre encontra suas armas naturais. Torna-se capaz de enfrentar qualquer combate, todavia, todo este poder entra em conflito com sua natureza.

Livro (Alvorecer)

Capítulo I


O que mais o incomodava eram os olhares, uma vez que preferia tocar-lhes a indiferença que a curiosidade. Aquelas pessoas provocavam nele tamanha sensação de nudez, que sempre o deixava constrangido e irritado. Tentou flutuar em outros mundos, impossível, seu pensamento sempre retornava àqueles olhos indiscretos que lançavam sobre ele seus feixes de visão como fossem flechas incandescentes, já que induziam no seu corpo um calor quase insuportável. Levantou a vista e buscou um ponto no final do longo corredor. Forçou a mente e transformou-o numa passarela, e imaginando-se um modelo, desfilou naquela direção. Aquele esforço mental controlava sua enorme vontade de sair correndo.

De repente sentiu que a mão de alguém escorregava sobre sua nádega. Com os olhos em chama e o peito arfando voltou-se bruscamente. De imediato, arrependeu-se, não devia ter se deixado dominar pela raiva. Pois no rosto de uma linda garota um belo sorriso começava a morrer. Lançou sobre ela, também, seu melhor sorriso, aquele que salvaria sua estupidez. Entretanto descobriu que fora tarde demais, ao ouvi-la assustada exclamar.

– Desculpa... foi sem querer – a moça enlaçou o braço da colega ao seu lado, afastando-se apressada.

Homem ao mar! Pensou o jovem. Sentiu-se assim: um náufrago à mercê de grandes ondas tempestuosas. E ele coitado, impotente assistia seu barco se afastar lentamente. Mas de repente, a salvação. Pois não foi que ela, voltando-se graciosamente, devolveu-lhe o sorriso. O fato não agradou sua colega, pois lhe dando um puxão, obrigou-a a olhar em frente, para em seguida, juntas, entraram por uma porta à direita, onde pendia uma placa sinalizando a biblioteca.

O brilho daquele sorriso iluminou todo o corredor por onde Shimit, agora, caminhava. Estacionou no alto da escadaria externa, olhou para o campo de futebol lá em baixo e respirou fundo. Sentiu o ar fresco daquela tarde de novembro acalmar-lhe. Desceu os doze degraus, e atravessou o alambrado do campo, queria aquela área mais afastada à sua direita. Quando chegou, deixou cair a bola que trazia embaixo do braço. Tocou com o pé, com a coxa, elevou-a até a cabeça, atrás do pescoço.

Naquele momento não existiam pensamentos dispersos, o controle da bola absorvia-o por inteiro. A entrega era total e ele sempre relaxava, mas hoje não estava funcionando. Aquela garota o deixara tenso e curioso. Por que diabo será que havia passado a mão nele? As mulheres dali faziam questão de afastar-se. Já havia surpreendido algumas delas enquanto o observavam, elas então, fugiam rapidamente, talvez por medo de que se iniciasse algum diálogo. Isso realmente o incomodava, mas tinha coisas muito mais importantes a fazer. Estava ali para estudar e era justamente o que vinha fazendo. O resto não importava, nem o futebol tinha tamanha importância. Um dia seria biólogo e continuaria o trabalho de sua mãe.

─ Ô Shimit! ─ gritou o técnico Carlos alertando o rapaz ¬─ você vai entrar na lateral direita, no lugar do Edgar.

Ele estava na universidade há quatro meses. O técnico nunca havia lhe dado uma oportunidade de apresentar seu futebol, e agora iria ser deslocado do meio de campo para a lateral. Logicamente não poderia ter um bom desempenho.

O juiz apitou e o jogo começou. Shimit recebeu uma bola recuada e sentia-se apertado contra a lateral do campo. Sempre jogara com espaços para os dois lados, agora podia se mexer apenas para a esquerda e isso o estava atormentando. Logo depois, aos dez minutos do tempo inicial, tomaram um gol.

Com uma derrota de quatro a zero no primeiro tempo, Shimit seguia o time ao vestiário. Muito chateado, e um pouco mais atrás, caminhava pensativo. Sabia que quando a universidade criou o time de futebol, abriram vagas para bolsistas indicados como bons jogadores. Apresentaram-se latinos, africanos, e até gente do oriente médio. Tudo isso para elevar o nível dos jogadores americanos, como afirmara o próprio diretor de esportes. No início jogaram todos juntos, até que houve uma vergonhosa segregação. Os americanos se autointitularam o time da cidade e o restante seria o time da universidade.

A afirmação do diretor indicava, e a Shimit não restavam dúvidas, que seus colegas eram bons de bola. Muito embora, por mais que se esforçassem, não conseguiam fazer o conjunto funcionar. Entrou no vestiário na esperança de ver o técnico fazendo mudanças, mas o homem não havia aparecido.

─ São um monte de pernas-de-pau! ─ exclamou Juarez, o goleiro. E gritando continuou ─ Shimit! Você que é da terra do futebol, pode me explicar como a gente está perdendo para eles?

Shimit tinha quase certeza do que estava acontecendo, mas tinha receios quanto a intervir. Os demais jogadores o cercaram, e ele sentiu-se pressionado. Detestava o sentimento de aperto, mas também odiava perder.

─ Vamos lá, Shimit! Ajuda a gente, cara ─ insistiu Juarez.

─ Tudo bem, vou tentar.

Aquele sorriso de esperança que apareceu em cada rosto presente, Shimit entendeu perfeitamente. Seus colegas realmente acreditavam que ele poderia ser-lhes útil.

─ Seguinte, gente. O que está acontecendo aqui, eu acho, é uma questão de posicionamento. Olha só! Eu sou meio de campo, nunca joguei na lateral. E pelo que observei, tem muita gente na mesma situação. O que vocês acham da gente refazer a formação do time?

─ Claro! ─ responderam quase todos em coro.

Mais que depressa, apareceram na mão de Shimit, papel e caneta. E, junto com os colegas, passou a refazer o posicionamento da equipe. Ele debateu bastante sobre o melhor esquema tático, e todos participaram da discussão. Por fim, encontrou uma formação que achou ideal. Sentiu a moral da equipe se elevando, enquanto um grande sentimento de união agregava todos os jogadores na mesma emoção, e catalisava aquela reação que ele tanto desejava. Não foi esforço algum unir o time na hora do grito de guerra.

─ Vamos acabar com eleeees!

Ele sentiu que aquele som vinha do lugar mais profundo de cada um ali que, de mãos dadas, se abasteciam daquela energia que apenas um jogador motivado sabe de onde vem.



Afastada dali contra sua vontade, pois era onde desejaria estar Dasy, ansiosa, a todo instante examinava o relógio. Quando tentava falar com a amiga, esta a interrompia pedindo silêncio, informando que ela se encontrava em uma biblioteca. Sua ansiedade aumentava à medida que o tempo ia passando. Sabia do jogo e queria chegar a tempo de assistir, pelo menos, ao segundo tempo da partida. Pámela também não a deixou falar quando saíram, pois foi logo dizendo:

─ Você ficou maluca, Dasy? ─ falou a outra muito aborrecida ─ Pensei que ele ia bater em você!

─ Você viu aquelas pernas, Pámela? Viu aquela bundinha? Ah! Desculpa, mas não resisti.

─ Não se meta com ele, Dasy. Dizem que é um brasileiro criado na Floresta Amazônica. Um índio kayapó! ─ gritou Pámela, sua melhor amiga na universidade.

─ Eu não sabia que na Amazônia tinha espécimes assim, tão exóticos. Aquilo lá deve ser um paraíso! ─ exclamou Dasy, rindo.

─ É mestiço, garota, descendente de alemães.

─ Nossa! Taí uma mistura que deu certo.

Dasy estava muito curiosa. Quem seria ele? Tudo indicava que estaria no campo, mas será que o encontraria? Eram muitas perguntas e ela precisava de respostas.

─ Como você sabe tanto sobre ele, Pámela?

─ Do futebol, Dasy. As garotas o elegeram “as mais belas pernas do campus”. Nos treinos, ele bate um bolão, mas nunca é escalado para os jogos oficiais.

─ Ué! Por que não? ─ perguntou Dasy, decepcionada.

─ Parece que o técnico não vai muito com a cara dele. Para falar a verdade, a galera acha que ele é muito metido.

Pámela diante daquele olhar interrogativo, retrucou sem saber ao certo o que responder.

─ Ah, sei lá! O cara está sempre sozinho, só se mistura quando joga.

─ Sabe amiga, adoro futebol, desde criancinha, explicou Dasy sorrindo.

Pensou um instante e deu uma gostosa gargalhada ao lembrar que seu pai, sempre apaixonado pelo esporte, a obrigava a acompanhá-lo aos estádios quando juntos passavam férias na Itália.

Era realmente hilário concluir que tudo aquilo o qual forçosamente aprendera, ainda lhe seria de grande valia, visto seu coração indicar que estava começando a se interessar pelo esporte, porque aquela figura exótica de short e camiseta com uma bola embaixo do braço, não saía de sua cabeça.

Dasy lembrava-se muito bem daquele garoto alto e naturalmente bronzeado. Do seu rabo de cavalo. Daquele andar tão macio que parecia flutuar. Também recordava do seu rosto bonito com traços indígenas, com aqueles dois olhos raivosos no primeiro instante, mas que depois se iluminavam com um sorriso tão forte, que fizeram suas pernas tremer.

Seguindo o mesmo caminho de Shimit, Dasy também parou no alto da escadaria e observou o campo. Não viu a quem procurava, mas como estava no intervalo, imaginou que estivesse no vestiário. Desceu as escadas e seguiu para a esquerda, indo em busca da arquibancada.

Ao começar o segundo tempo, Dasy observou Shimit jogando no meio de campo. O time da universidade tocava a bola com calma, rumo à trave a sua direita. Não deixavam que os da cidade tomassem-lhe a pelota, sempre os envolvendo em triangulações perfeitas. Ela ria muito, pois realmente se divertia à medida que a outra equipe corria, batia cabeça, mas nada conseguia, apesar do esforço. Os demais torcedores logo perceberam que o seu time havia mudado e, eufóricos, incentivavam seus atletas.

─ Mas que time é esse? ─ perguntou aos gritos, um torcedor de pé, na arquibancada.

─ É o nosso, mas está todo mexido! Agora o bicho vai pegar ─ respondeu um outro, aos berros.

A bola fluía numa cadência delicada até o meio do campo. A partir daí começava uma rápida troca de passes. No meio para Shimit.

─ Vai, Shimit! Vai, Shimit!

Dasy gritava e pulava na arquibancada, obrigando Pámela a torcer junto. Tomou o braço da amiga e enquanto saltava, jogava o braço dela para o alto. Percebeu que sua atitude estava contagiando os outros torcedores, que passaram a reagir com maior vibração.

Viu quando Shimit lançou a bola na cabeça de um grandalhão, dentro da pequena aérea, e este apenas a colocou para dentro.

─ Goool! ─ gritou um torcedor aos saltos, com os dois braços para o alto, antes mesmo que o juiz comprovasse o fato.

Aquela torcida, apesar de não ser muito grande, era bem barulhenta. Dasy pode comprovar, quando a explosão de gritos balançou todo o estádio.

─ Goool! Goool!

Um rapaz hispânico ao seu lado, com um radinho na mão, ouvia o jogo pela rádio universitária. Parecia que toda a cidade também deveria estar ouvindo, pois aquela multidão que rapidamente passou a lotar as arquibancadas, com certeza se devia a isso. Os torcedores do time da cidade começaram a ficar em minoria.

─ É maravilhoso ver o espetáculo que estes garotos estão nos proporcionando ─ falava o locutor, empolgado.

Dez a quatro no final do jogo. “Exibição fantástica”, era o que Dasy ouvia por todos os lados. No entanto, ela viu o técnico, raivoso, sair correndo em direção aos jogadores. Apressadamente desceu as arquibancadas e também correu na tentativa de acompanhar o homem. Não conseguiu, mas ouviu quando ele gritou.

─ Quem foi o responsável por esta loucura?

Ninguém respondeu, mas pôde ver os olhares dos rapazes convergindo na direção do brasileiro.

─ Shimit, passe na minha sala amanhã bem cedo!

─ Hei, treinador! De qual lado o senhor está? ─ interrogou um jogador indignado.

O treinador não lhe deu a menor atenção e saiu quase correndo.

─ Não esquenta Shimit, este técnico é um panaca.

─ Mas é que eu sou bolsista, cara. Se ele quiser, pode me prejudicar feio.

“Coitadinho dele” pensou Dasy enquanto se perguntava como alguém que se diz técnico pode fazer uma coisa dessas. Entre as malhas do alambrado e com o coração apertado, viu Shimit pegar sua bola e, chateado, se retirar. Foi atrás dele, precisava satisfazer mais algumas curiosidades. Com a bola embaixo do braço, ele dirigiu-se a lanchonete central do campus. Foi direto ao balcão, pôs a bola no chão e com o pé em cima dela, pediu um suco e ficou aguardando de pé. Dasy tomou coragem e se aproximou.

─ Olá! Sou Dasy. Desculpe aquela minha brincadeira ─ se apresentou estendendo a mão para ele.

─ Oi, Dasy, sou Shimit ─ respondeu ele surpreso. E sorrindo apertou-lhe a mão.

─ Eu sei. Todo mundo sabe. Você arrasou lá no campo.

─ Obrigado Dasy. É bom saber que alguém gosta quando a gente se esforça para dar o melhor de si.

─ Você está falando assim por causa do técnico, não é?

─ É, eu não entendo como...

Shimit parou olhando com preocupação para a porta de entrada, ela acompanhou o seu olhar e viu um colega se aproximando. Roger, um atleta universitário que jogava pelo time da cidade. O rapaz seguia na direção deles com um sorriso zombeteiro no rosto.

─ Caramba, gostaria de saber o que esse cara tem contra mim. Desde que cheguei, ele não larga do meu pé ─ comentou Shimit.

─ E aí, da floresta! Você não tinha que estar no vestiário, trocando de roupa? Ou a boneca está querendo mostrar as pernocas? ─ insinuou Roger, enquanto estendia a mão tentando tocar o queixo dele.

Shimit rapidamente recuou o rosto, e, com o braço, efetuou um golpe que afastou o de Roger para o lado.

Dasy parecia encantada com o movimento de Shimit. Olhou para Roger e viu a máscara da surpresa modelando seu rosto de pasmo a rubro. Experimentou uma sensação estranha, quando descobriu Roger totalmente colérico.

─ Ah! O bonitão que brigar? ─ falou Roger usando as duas mãos para bater com força no tórax de Shimit.

O rapaz recebeu o impacto no peito e foi jogado para trás. Dasy esperava vê-lo sair voando por sobre o balcão, todavia aconteceu um milagre, ele apenas balançou o corpo para trás e de pé, depois voltou a posição inicial.

Shimit cerrou os punhos com força. Para Dasy aquilo indicava início de uma reação, prevendo os prejuízos que isto poderia causar-lhe, se interpôs.

─ Aí, Roger! ─ gritou Dasy. ─ Quando é que você vai aprender a perder, cara?

─ Pode deixar, Dasy. Eu não pretendo brigar. ─ comunicou Shimit friamente.

Dasy entrelaçou sua mão na dele e o conduziu a saída da lanchonete. Sabia que esta sua atitude deixaria Roger furioso, e era bem merecido. Não acreditava que ele agredisse Shimit novamente, não iria provocar uma briga na presença de todos ali.

─ Ainda vou pegar você. Seu índio maldito! ─ rosnou Roger baixinho entre dentes.

Dasy chegou à área externa da lanchonete, e voltou-se, sentiu um prazer ferino ao observar a expressão de Roger imóvel junto ao balcão. Caminhou mais um pouco sobre a passarela de cimento, parou diante de Shimit. E olhando dentro de seus olhos falou carinhosamente.

─ Tenho que ir Shimit, mas amanhã eu vejo você. Não esquenta com o Roger, ele é um bobão ─ beijou o rosto do rapaz e se foi.



À medida que caminhava rumo ao seu quarto, Shimit pensava no absurdo que era a maneira como vinha sendo tratado dentro do campus. E não sabia muito bem o porquê, pois se era latino, muitos ali eram hispânicos. Talvez fosse o seu lado indígena? Quem sabe era por ser bolsista? Realmente não sabia, mas tinha esperanças que lá fora eles tivessem a Dasy como padrão. Sorriu ao lembrar da garota, mas sabia que a relação dele com Roger só iria piorar, pois o ciúme dele ficou evidente.

Quando chegou ao dormitório, tomou um banho, estudou um pouco, e depois se jogou na cama. Dormia um sono agitado por um pesadelo, sonhando que estava na floresta dentro de uma oca.

O pajé executava um ritual enquanto aproximava-se. O curandeiro agitava os braços e se expressava em uma língua estranha, entretanto, sem saber como, Shimit a entendia perfeitamente. Jogou-lhe um líquido perfumado, e ele sentiu a pele arder ao contato com o perfume. Então começaram a aparecer vários guerreiros, pintados para a batalha, com seus arcos e lanças. O feiticeiro, com uma tinta marrom, fez um círculo em sua testa, e dois riscos em cada lado do seu rosto, cortados por um outro transversal. Amarrou-lhe uma pena no braço esquerdo, e começou a empurrá-lo para fora da construção.

─ Abaçaí, abaçaí ─ gritava o feiticeiro, cada vez que o impelia para a saída.

Era noite e a floresta estava escura e silenciosa. O silêncio era tão profundo que ele podia ouvir as batidas oscilantes do seu coração. Não entendia porque fora abandonado, e agora sua única companhia era o medo. E a sensação de perda aumentava a cada passo. O esturro de uma onça acordou o silêncio da noite e estremeceu a escuridão. Seu coração deu um salto, enquanto sentia o sangue congelar-se nas veias. O medo o invadiu sem precedentes, e ele se preparou para fugir. Mas para onde iria? Não era esperado em lugar algum e não conhecia nada fora de sua tribo. Era apenas um garoto apavorado.

Um grupo de macacos-da-noite se aproximou com seu canto louco.

─ Riri, rorô, rorô...

Quando os macacos o cercaram, ele sentiu a força daquele círculo mágico. Sabia que agora nenhum mal poderia alcançá-lo. Sentiu-se tomado de uma coragem até então desconhecida e passou a seguí-los de perto. Correu com eles dentro da mata, e já não sentia medo, nem solidão. Já não havia mais segredos nem mistérios.

─ Shimit, acorda cara! Acorda...

Aquele chamado longínquo o fez abrir os olhos. Os gritos dos macacos-da-noite ressoavam dentro do quarto. Logo percebeu que a fonte daqueles sons era ele, e que ainda permanecia incorporando um daqueles primatas.

─ Shimit, acorda cara. Acorda!

Com o corpo trêmulo e a cabeça ecoando as palavras abaçaí, abaçaí, ele lutava para despertar, entretanto o desejo de permanecer naquela fortaleza protetora e enveredar em todos os mistérios da floresta, o impedia.

─ Meu irmão, você quase me mata.

─ Desculpe ─ falou automático.

─ O que foi isto meu irmão, esta metamorfose?

─ Metamorfose?

─ É! Você estava se transformando num animal. Parecia um macaco, podes crer.

─ Macaco?

─ É, cara! Rapaz, você está precisando de ajuda!

Shimit se levantou, tomou um banho e voltou a deitar. O nome abaçaí lutava com seu sono uma batalha de morte que parecia estar vencendo. Aquela palavra representava um labirinto de situações onde ele não conseguia se encontrar.

Lançamento do livro



A natureza cria o homem para competir entre as feras. E, para sua sobrevivência, dota esta criatura de poderosa visão, olfato seletivo e audição hipersensível, agregando às suas habilidades uma força física compatível. Gerado com inteligência e intuição, torna-se um caçador perfeito. Pois é neste ambiente que surge o guerreiro kuyumatá, o mais letal entre todos os predadores. Mas à medida que o grande guerreiro socializa-se, pelo desuso, atrofia suas armas naturais. No entanto, sua genética ainda sobrevive, pois o jovem Shimit tem adormecida em seu corpo a chama deste ser, e sabe como acendê-la.





O jovem Shimit, filho de um general do Exército e de uma índia kayapó, vai estudar biologia na El Paso Independent University Courses, Texas, Estados Unidos. Encontra lá, muito preconceito e discriminação.
É injustamente acusado de tráfico de entorpecentes e condenado a treze anos de reclusão.
Sabendo que herdou de seus mais longínquos ancestrais as habilidades da maldição dos Kuyumatás, agora, para sua sobrevivência, precisa resgatá-las.
Um corpo sem ferimentos de combates não recebe um Kuyumatá, por isso, dentro do presídio, ele se entrega a todo tipo de desafio para merecer as armas do guerreiro perdido.
E, então, no alvorecer de sua nova existência, em momentos de extremo estresse ou perigo iminente ele sempre encontra suas armas naturais. Torna-se capaz de enfrentar qualquer combate, todavia, todo este poder entra em conflito com sua natureza.